Podemos situar a Revolução Russa como matriz ideológica dos movimentos de Libertação Nacional do Século XX, influenciando os movimentos com sua identidade ideológica e sua mobilização soial.
Em 2009 completou-se cinco décadas do triunfo da Revolução Cubana e seis da Revolução Chinesa esse tempo permite ao historiador, realizar reflexões que abragem uma dinâmia maior de foco e uma análise mais completa desses fatos.
Embora essas duas Revoluções tenham ocorrido em sociedades completamente distintas e em diferentes continentes, indiscutivelmente esses dois processos revolucionários inscreveram-se dentro de um movimento revolucionário mais amplo, marcado pela resistência dos povos oprimidos da Ásia, África e América Latina diante do Imperialismo, e dessa forma tiveram como referência social, e inspiração, a grande Revolução Russa de Outubro de 1917.
LEMBREMOS A REVOLUÇÃO RUSSA
Após assumir o poder, os bolcheviques tiveram que enfrentar uma terrível Guerra Civil que se estendeu até 1920 contra as tropas contra-revolucionárias do “Exército Branco”, apoiado por tropas britânicas, francesas, estadunidenses, japonesas, polonesas, sérvias, gregas e romenas. No momento mais desesperador dessa guerra, os bolcheviques chegaram a controlar apenas uma estreita franja de terra – sem saída para o mar – no centro e norte da Rússia. A vitória do “Exército Vermelho” somente foi possível em decorrência do apaixonado apoio das massas de camponeses e operários à causa bolchevique.
Consolidados no poder após a vitória na Guerra Civil, os comunistas russos assumem uma tarefa ainda mais assombrosa: reconstruir e modernizar um país economicamente atrasado, predominantemente agrário e destruído pela guerra. A burguesia russa havia sido incapaz de cumprir o seu papel histórico e desenvolver plenamente as forças produtivas de seu país. Agora, paradoxalmente, uma outra classe social teve de incumbir-se das tarefas não realizadas pela burguesia.
O rubro eco da Revolução Bolchevique e da conseqüente formação do primeiro Estado Operário – a URSS – alcançou os trabalhadores de todo o mundo. O caráter dual da antiga sociedade russa, ao mesmo tempo européia e asiática, desenvolvida e atrasada, colonialista e colonial, contribuiu para que o exemplo da revolução ocorrida naquele país influenciasse tanto a classe trabalhadora dos países capitalistas avançados quanto a dos povos coloniais. No que tange a estes últimos, a ampla divulgação dos escritos teóricos dos bolcheviques, particularmente a apaixonada defesa de Lênin quanto ao direito à autodeterminação das nacionalidades oprimidas, além da obra “O Imperialismo: fase superior do capitalismo”, forneceram parte do instrumental teórico básico para os nascentes movimentos de libertação nacional da Ásia, África e América Latina.
A REVOLUÇÃO CHINESA
A maior e mais bem estruturada sociedade da antiguidade teve a sua estabilidade social abalada diante da penetração comercial da Europa no século XIX. Nos dizeres de Marx e Engels: os “preços baixíssimos das suas mercadorias são a artilharia pesada com que deita por terra todas as muralhas chinesas”.
ANTECEDENTES:
A partir de 1860, a China mergulhou num período de caos social, conflitos políticos internos e ameaças de invasão militar estrangeira. Todas as tentativas de salvar o sistema imperial não tiveram êxito.
- O poder dos imperadores foi enfraquecendo.
- A nobreza fundiária reagiu à crise do império dissociando-se dos imperadores.
- Essa nobreza construiu suas próprias bases de poder político e econômico de âmbito regional, estimulando ainda mais a tendência centrífuga de fragmentação do poder central.
A cobrança e transferência dos impostos e tributos sobre a terra e sobre a circulação de mercadorias, bem como a influência sobre os camponeses escaparam quase que por completo do controle do poder central. A exploração das massas camponesas pelos senhores rurais aumentou consideravelmente.
- Os camponeses perderam os direitos tradicionais, que lhes garantiam proteção com base nos padrões de dignidade prevalecentes nos códigos morais da época.
- O crescente descontentamento dos camponeses desencadeou inúmeras revoltas no campo, todas eficazmente exploradas pelos revolucionários comunistas, que ganharam influência contribuindo diretamente para elevar a tensão social e provocar mais divisão das forças políticas nacionais.
Os senhores rurais e os pequenos comerciantes reagiram à crise do sistema imperial coligando-se entre si a partir de seus interesses regionais. Para garantir o poder em determinada região, as elites rurais formaram exércitos locais.
Foram essas desvantagens frente aos impérios coloniais do século 19, somadas a instabilidades internas causadas por rebeliões camponesas, que deixaram o país suscetível a interferências de nações imperialistas. Após a primeira Guerra do Ópio (1840), contra a Inglaterra, o país foi praticamente retalhado em colônias inglesas, francesas, alemãs, japonesas e americanas.
SURGEM AS REVOLTAS CAMPONESAS
O clima de revolta contra os estrangeiros e os senhores feudais incentivou levantes populares como a Revolução Celestial Taiping (1851-1864) e as rebeliões dos Nain (1851) e dos Boxers (1900-1901). O sentimento anticolonialista entre os camponeses - que, correspondendo a 80% da população, eram a grande força militar do país - foi canalizado na formação do Kuomintang (Partido Nacionalista Chinês). O partido foi criado por Sun Yat-sen (1866-1925), que proclamou a República entre 1911 e 1912.
A proclamação da República, em 1911, representou a formalização de uma situação político-institucional que já existia de fato: ou seja, o declínio do poder imperial. Porém, nas duas décadas seguintes, as classes dominantes chinesas foram incapazes de se aliar para formar um governo de unidade nacional.
Nesse contexto,os NACIONALISTAS representados pelo Kuomintang (Partido Nacionalista Chinês) criado por Sun Yat-sen (1866-1925), proclamou a República, mas a sociedade chinesa ainda ficou profundamente dividida e entrou numa fase de desagregação ainda mais intensa, que perdurou até a Revolução Comunista de 1949.
Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a China se aliou à Inglaterra e à França contra a Alemanha e o Japão, esperando com isso rever sua condição de dependência colonial. Contudo ao final da guerra, o Tratado de Versalhes (1919), conferiu ao Japão o direito de posse das concessões alemãs em território chinês. Revoltados contra o fracasso da diplomacia do governo chinês, estudantes promoveram manifestações em Pequim que se espalharam pelo país, conhecidas como Movimento 4 de Maio. Os jovens também criaram, sob influência da Revolução Russa de 1917, o Partido Comunista Chinês (PCC), em 1921.
No início, o PCC e o Kuomintang eram aliados contra os senhores da guerra (que foi a denominação dada aos proprietários rurais que haviam formado exércitos regionais para manter o controle político e econômico nos seus respectivos domínios territoriais). e as potências colonialistas.
Essa aliança mudou com um golpe militar, em 1927 de Chiang Kai-shek (1887-1975), sucessor de Sun Yat-sen na liderança do Partido Nacionalista. Contando com um exército poderoso, Chiang Kai-shek conseguiu estabelecer, em 1927, controle sobre a maior parte do território da China e estabelecer um poder central que ficou sob a liderança do Kuomintang. Não obstante, na China daquele período, qualquer programa político de unificação nacional que pretendesse ser estável e duradouro dependia de um amplo consenso entre as classes sociais, que estavam em conflito latente diante de seus interesses profundamente divergentes.
Os comunistas se refugiaram no campo, onde organizaram a luta armada e o Exército Vermelho para combater os nacionalistas. O PCC estabeleceu ali um modelo de guerrilha rural seguido, por exemplo, pelos comunistas brasileiros na Guerrilha do Araguaia (1972-1975).
Nessa época, Mao Tse-Tung dirigia uma escola de quadros para o movimento camponês no sul da China. Ainda no final de 1927, organizou um levante em Hunan, duramente reprimido pelas tropas do Kuomintang. Refugiou-se nas montanhas de Jinggang, próximas à província de Jiangxi, onde conseguiu agrupar as tropas fiéis aos comunistas, organizando os Soviets de Jiangxi.
Expulsos das cidades, os comunistas estabelecem profundos laços políticos com o campesinato. Os Soviets de Jiangxi passaram a ser o centro da resistência comunista e conferiram a Mao Tse-Tung uma posição de destaque. Entretanto, as bases comunistas em Jiangxi estavam sob constante fogo inimigo. Suportaram quatro campanhas de cerco e aniquilamento movidas pelas tropas do Kuomintang. Em 1934 foi organizada uma quinta campanha, com mais de um milhão de soldados apoiados por artilharia e aeronaves. Diante dessa ofensiva, não restou outra alternativa à liderança comunista senão a de efetuar uma retirada estratégica. Esse episódio ficou conhecido como A Longa Marcha, uma retirada de cerca de 10 mil quilômetros até o noroeste da China, efetuada sob perseguição e fogo inimigo. Dos aproximadamente 100 mil soldados vermelhos que iniciaram a marcha, somente cerca de 9 mil conseguiram atingir Yan´nam um ano depois.
A guerra civil entre nacionalistas e comunistas se estendeu até 1935, com a vitória do Kuomintang e a perda de 90% do efetivo do exército comunista durante a Grande Marcha. Essa guerra civil sofre um revés.
O Japão, que já ocupava o norte da China (Manchúria) desde 1931, iniciou a invasão da maior parte do restante do território chinês em 1937. Iniciou-se assim uma nova fase da história chinesa: a de Guerra de Resistência contra o Japão (1937-45). A atitude das tropas do Kuomintang e a dos comunistas em face dessa invasão foram diametralmente opostas. Enquanto o Exército Popular de Libertação (comunista) sustentava uma decidida resistência ao invasor sob a forma de guerra de guerrilhas, o exército do Kuomintang assumia uma postura contemplativa ou até mesmo de colaboração diante dos japoneses. Essa atitude refletia os interesses da classe dominante chinesa, que preferia o domínio japonês aos comunistas. A partir de então, aos olhos do povo, os comunistas passaram a ser vistos como os mais verazes defensores da nação chinesa, e o termo Hanjan – traidor da China – deixou de ter uma conotação exclusivamente patriótica, passando a ter também um sentido de classe.
Com a retirada japonesa após o final da II Guerra Mundial, estabeleceu-se um vácuo político que foi rapidamente preenchido pelos exércitos do Kuomintang (que ocuparam todas as cidades) e o Exército Popular de Libertação (que controlava a maior parte das áreas rurais). Tentou-se a formação de um Governo de coalizão, que fracassou devido às exigências feitas pelo Kuomintang de que os comunistas entregassem as armas. A vívida lembrança do massacre de Xangai impediu que os comunistas cometessem tal loucura, o que certamente equivaleria a um suicídio. Em função desse impasse a China mergulhou em uma nova Guerra Civil Revolucionária (1945-49).
Os comunistas, fortalecidos pela sua brilhante atuação na II Guerra Mundial, rapidamente consolidaram o controle das áreas rurais, colocando a maioria das cidades chinesas sob cerco. Com o tempo esse cerco foi se apertando e nas principais cidades chinesas começaram a ocorrer constantes agitações operárias e estudantis. Paulatinamente as cidades chinesas vão caindo nas mãos dos comunistas e Chiang Kai-Shek foge para a Ilha de Taiwan, onde fundará a República Democrática Chinesa.
Em Primeiro de Outubro de 1949 as tropas do Exército Popular de Libertação marcharam vitoriosas. Nesse mesmo dia o camarada Mao Tsé-Tung proclamou a fundação da República Popular da China. Mais de um século transcorreu desde que as antigas estruturas do sistema imperial entraram em crise diante da penetração estrangeira. Muitas décadas se passaram desde que o Império ruiu e mergulhou a China no mais completo caos e guerra civil. Muitos anos se passaram sem que a China tivesse um Governo que exercesse a soberania sobre todo o seu território. Pela primeira vez depois de muitas décadas, o Tiang Ming estava restabelecido. Mas, diferentemente dos governos anteriores, não eram os mandarins imperiais ou títeres de potências estrangeiras que governavam: agora quem estava no poder era o povo.
O SOCIALISMO CHINES
A construção do socialismo chinês recebeu inicialmente um valioso apoio da URSS. A ajuda soviética veio em forma de assessoramento técnico, científico e, principalmente, financeiro. Entre 1950 e 1956, a assistência soviética contribuiu decisivamente para a recuperação e posterior desenvolvimento da economia chinesa.
Contudo, nos idos de 1956, a relação política entre chineses e soviéticos ingressou numa fase de conflito, que alterou profundamente os rumos da construção do socialismo na China. Em 1953 morre o dirigente soviético Josef Stálin e Nikita Kruchev assume o poder, em 1956. O novo governante soviético fez severas críticas ao antecessor e promoveu o que se convencionou chamar de "desestalinização".
Junto com a desestalinização, Kruchev idealizou e colocou em prática a "doutrina de coexistência pacífica", que preconizava o caminho pacífico para se alcançar a revolução comunista pelo mundo. Ou seja, a política externa soviética passou a defender estratégias de construção do socialismo sem recorrer à violência revolucionária. Essa postura contribuiu decisivamente para a deflagração de um avassalador "revisionismo" político e ideológico, que atingiu praticamente todos os movimentos e partidos comunistas.
No início, Mao Tsé-Tung permitiu que o revisionismo aflorasse na China com a Campanha das Cem Flores, que pode ser entendida como a aceitação por parte do Estado da crítica contra o sistema socialista, tanto por parte de ativistas, intelectuais, quadros do PCCh e também do povo em geral. Depois de um brevíssimo período, movimentos de contestação e ondas de protesto irromperam por todo o país, levando Mao a interromper a política de tolerância e liberalização e reprimir violentamente os dissidentes e críticos.
Além de conflitar com os soviéticos na questão do revisionismo, os chineses criticaram a doutrina de coexistência pacífica, por ela ter levado a URSS a se aproximar das potências capitalistas ocidentais, em particular dos Estados Unidos, estreitando as relações diplomáticas e abandonando a política de enfrentamento.
Em 1960, a tensão entre a China e a URSS alcançou o clímax. Os soviéticos interromperam o auxílio técnico, financeiro e militar. Os chineses tiveram de contar com seus próprios recursos a fim de seguir na construção do socialismo. Foi neste contexto que a China abandonou o planejamento econômico com base nos Planos Qüinqüenais (1949-1954) e colocou em prática uma nova política de desenvolvimento econômico e social, que foi oficialmente chamada de o Grande Salto para Frente (1958-1960).
O GRANDE SALTO
O Grande Salto tinha como premissa a mobilização de todos os recursos humanos da China, em particular da massa camponesa, que constituía cerca de 80% da população, a fim de acelerar o desenvolvimento econômico e a igualdade entre todos num curto período de tempo. Ironicamente, porém, o Grande Salto foi um desastre completo, que levou à desorganização da economia chinesa e ao aumento da fome no campo, acarretando a morte de milhões de camponeses.
O núcleo do projeto desenvolvimentista era a auto-suficiência e a auto-sobrevivência, ou seja, cada vilarejo deveria produzir os alimentos e os bens necessários. A obsessão para atingir metas de produção, porém, levou os dirigentes chineses a dispensarem o conhecimento técnico e o planejamento antecipado, precipitando o surgimento de problemas insolúveis para o país.
As minas de carvão que se proliferaram por todo o país arruinaram os campos férteis; o cultivo irregular de determinados grãos e alimentos ocasionaram o cansaço do solo; a construção de represas sem o devido planejamento e estudo técnico arruinou os solos, tornando-os imprestáveis para o cultivo; as máquinas agrícolas careciam de peças de reposição, entre inúmeros outros problemas.
O fracasso do Grande Salto abriu caminho para uma autocrítica por parte de Mao Tsé-Tung e o surgimento de uma dissidência dentro do PCCh. Com apoio de partidários influentes, Liu Shao-chi e Deng Xiaoping assumem a condução dos assuntos internos. Mao Tsé-Tung tem seus poderes diminuídos, mas ainda assim mantém controle sobre o Exército Popular de Libertação. A tentativa de Mao Tsé-Tung de retomar seus poderes resultou na Revolução Cultural (1966-1975).
A REVOLUÇÃO CULTURAL
A Revolução Cultural começou oficialmente no outono de 1965. Com apoio do ELP, Mao e seus seguidores coordenaram um amplo expurgo que atingiu todas as esferas da vida social, política e econômica. Membros do PCCh, burocratas, políticos, militares e cidadãos comuns foram atingidos por uma onda repressiva.
A esposa de Mao, Jiang Qing, se transformou na figura dominante nas artes. Chamada de ditadora cultural, Qing exerceu domínio absoluto e determinou o que podia ser escrito, pintado, editado, cantado e exibido nos teatros e cinemas. Muitos cursos universitários foram fechados, professores e diversos profissionais ligados à produção artística perderam seus cargos e foram banidos para o campo.
Os alvos principais da doutrinação política que permeava a Revolução Cultural foram os jovens, em particular os estudantes de nível médio e universitário. Os jovens foram dispensados das aulas e o Estado providenciou alimento, transporte e alojamento para que percorressem o país, de cidade em cidade, como aguerridos militantes de esquerda.
O Livro Vermelho e a Guarda Vermelha
Usando uma braçadeira vermelha em um dos braços, milhões de jovens formaram a Guarda Vermelha. A base doutrinária para a ação dos militantes era o célebre "Livro Vermelho" de Mao.
Um dos trechos do livro dizia: "O pó se acumula se um quarto não é limpo com freqüência, nossas faces ficam imundas se não forem lavadas com freqüência. A mente de nossos camaradas e o trabalho de nosso Partido também podem ficar empoeirados e também precisam ser varridos e lavados. O provérbio 'a água corrente nunca fica choca e os vermes nunca roem uma dobradiça' significa que o movimento constante impede a contaminação pelos germes e outros organismos".
Os militantes da Guarda Vermelha tinham por encargo desfechar a crítica aos revisionistas, aos direitistas, aos burgueses, aos burocratas do Partido e do Estado e até mesmo àqueles que adotavam estilos ocidentais de comportamentos. Além da crítica, eles também humilhavam e castigavam todos que resistiam à doutrinação socialista.
Durante o período em que a Guarda Vermelha atuou, a sociedade chinesa foi abalada por perseguições, execrações e julgamentos sumários em praças públicas. A Guarda Vermelha cometeu muitas atrocidades e espalhou o terror pela China.
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