Brasil: “Nós vamos jogar o avião no Palácio do Planalto”.
“Nós vamos pra cima do Palácio do Planalto. Nós vamos jogar o avião no Palácio do Planalto. Eu quero matar o Sarney!”.
Estas palavras foram proferidas pelo maranhense Raimundo Nonato Alves da Conceição
após sequestrar um avião em 29 de setembro de 1988 — 13 anos antes do
“11 de setembro” norte-americano. Indignado com a perda de seu emprego e
responsabilizando diretamente o então presidente José Sarney por estar
desempregado, Conceição sequestrou um avião, matou seu copiloto e chegou
bem perto de arremessá-lo no Palácio do Planalto.Raimundo Nonato Alves da Conceição contava à época com 28 anos de idade, e trabalhava como tratorista de uma construtora em Minas Gerais, quando foi demitido em junho de 1988. Sem conseguir encontrar novo emprego, inconformado com sua situação e não vislumbrando melhoria devido à instabilidade da economia brasileira vivenciada ao longo dos anos 1980, Conceição decidiu assassinar o Presidente do País — a quem atribuía à culpa. Também teria desejado obter notoriedade no “protesto”.
Conceição comprou sua passagem aérea para o dia 29 de setembro, na extinta VASP, para o voo VP 375 (Porto Velho/RO-Rio de Janeiro/RJ), que possuía escalas em Cuiabá, Brasília, Goiânia e Belo Horizonte. Na data prevista, 60 passageiros — incluindo Raimundo — embarcaram na capital mineira (Belo Horizonte), juntando-se aos 38 que já se encontravam a bordo (mais 8 tripulantes, totalizando 106 pessoas no jato). O maranhense sentou na poltrona 3C, próxima à cabine dos pilotos.
No cockpit do Boeing 737-300 da VASP, encontravam-se o piloto Fernando Murilo de Lima e Silva e seu copiloto, Salvador Evangelista, o “Vangêlis”. Ambos divorciados, amigos e populares na empresa. “Vangêlis era um crianção. Murilo não ficava atrás. (…) Murilo era extremamente popular na empresa. Todos, co-pilotos, chefes de equipe e comissários, gostavam de voar com ele. Deram-lhe o apelido de Cafajeste, com o qual ele parecia não se importar”. (SANT’ANNA, 2001, p. 111).
O terror começou quando a aeronave sobrevoava o Estado do Rio de Janeiro. Armado com um revólver calibre .32 e bem municiado, Raimundo Nonato se dirigiu à cabine de comando e disparou contra o comissário Dias. O disparo passou raspando pelo lado direito do rosto e varou sua orelha — por pouco Dias não foi morto.
O comandante Murilo logo teria percebido que se tratava de um tiro e pediu que a cabine fosse trancada — “Porra, isso foi um tiro! Trava aí, trava a porta!”. Raimundo, quando percebeu o trancamento da porta, começou a disparar contra a porta que não possuía qualquer blindagem.
Os disparos acertaram diversos instrumentos do painel de controle e a perna direita de Gilberto Renhe (copiloto aspirante a comandante de voo da VASP que se encontrava como passageiro extra no voo).
Temendo que todos na cabine fossem mortos e o jato caísse, Murilo pediu que a porta do cockpit fosse aberta ao sequestrador. Através de um código universal de sequestro, Murilo emitiu alerta ao Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (CINDACTA), que prontamente lhe respondeu “Ciente, 375”.
O sequestrador imediatamente mandou que a aeronave fosse para Brasília, ao passo que Vangêlis, mesmo que lentamente, abaixou-se para pegar seu microfone e foi atingindo por um tiro na têmpora. Vângelis estava morto. Seu corpo caiu sobre o manche e lá permaneceu. Foi um choque para Fernando Murilo, mas se manteve calmo.
Quando o piloto indagou o sequestrador sobre o que deveria fazer ao chegar em Brasília, obteve como resposta: “Nós vamos pra cima do Palácio do Planalto. Nós vamos jogar o avião no Palácio do Planalto. Eu quero matar o Sarney!” — o comandante da aeronave teve a impressão de que Raimundo era “louco varrido”.
Retornando à Brasília (onde já havia realizado escala), a aeronave sobrevoava o Estado de Goiás, quase sem combustível e os planos de Murilo não incluíam jogar o avião contra o Planalto. O sequestro do voo VP 375 havia se tornado assunto de Estado e um caça Mirage da Força Aérea Brasileira (FAB) passou a acompanhar o Boeing.
Murilo sabia que algo tinha que ser feito. Ele, como muitos outros passageiros, também receavam que Raimundo Nonato tivesse cúmplices entre os passageiros. O comandante decidiu fazer manobras violentas com o avião na tentativa de nocautear o carrasco. Decidiu fazer um tonneau. “Embora tonneau fosse um procedimento usual num avião militar de treinamento ou de caça, ninguém jamais ousara executá-lo num Boeing 737, estando totalmente fora de suas especificações. Consistia em fazer um giro completo com a aeronave, em torno de seu próprio eixo”. (SANT’ANNA, 2001, p. 149, grifo nosso)
Preocupado com a segurança dos passageiros, alertou-os ligando e desligando o aviso de “apertar o cinto” sem que Nonato percebesse e executou a manobra. Após a manobra, inesperadamente, o sequestrador se manteve firme (havia se segurado à porta e ainda portava o revólver). Fernando Murilo decidiu ser mais ser agressivo e deu início à manobra parafuso.
“Se o tonneau é uma manobra violenta, o parafuso é devastador. O avião perde a sustentação e cai de bico, girando as asas como um pião — daí o nome. Para comandar seu parafuso, Murilo inclinou a asa esquerda e deu um coice no pedal. A asa esquerda entrou em estol (perdeu a sustentação — vale dizer: deixou de ser asa). (…) O Vasp 737 mergulhou sobre a cidade de Goiânia, as asas em rodopio. Tum, tum, tum[!], a cada giro Murilo temia que as asas se soltassem. Na cabine de passageiros, em meio à gritaria que se seguiu, cada um teve um pensamento e uma reação. Mas todos tiveram certeza de que viviam seus últimos minutos”. (SANT’ANNA, 2001, p. 150)
Murilo por pouco não perdeu o controle do avião. Incrivelmente, além da estabilização e das poucas avarias sofridas, o avião logo se deparou com a pista de pouso do Aeroporto Santa Genoveva/GO na sua frente. Dessa vez, Raimundo se encontrava desnorteado. Havia sido jogado para fora do cockpit, mas logo recuperaria sua arma. O parafuso permitiu que o jato da VASP pudesse aterrissar sem a presença do sequestrador.
“As pessoas que se encontravam na torre de controle, no pátio e na sacada do aeroporto — e que viram o Vasp mergulhar, na saída do parafuso — tiveram a nítida impressão de que o jato iria se espatifar contra o solo. Viram-no sumir numa depressão próxima à cabeceira da pista. Aguardaram angustiados a explosão. Mas, surpreendentemente, o Boeing ressurgiu das profundezas da baixada e se aproximou para o pouso”. (SANT’ANNA, 2001, p. 155)
Com a aeronave no chão, às 13h45, o sequestrador iniciou negociação com as autoridades com o objetivo de preparar sua fuga tendo Murilo como intermediário. Conceição primeiramente solicitou combustível para ir até Brasília, depois um caça e, por fim, um avião Bandeirante da FAB. Desses pedidos, apenas o último foi atendido – na verdade, apenas foi aceito porque se tratava de uma armadilha montada pela Polícia Federal visando captura-lo.
De acordo com o que foi decidido nas negociações, Nonato teria que desembarcar do Boeing e embarcar no Bandeirante. Para isso, utilizou os comissários Valente e Ângela (“Angelão”) e o piloto Murilo como proteção. Quando próximos ao avião da FAB, o piloto auxiliou Conceição a embarcar (não havia escada), mas, para a surpresa de ambos, havia um agente da PF escondido e armado com uma pistola .765 dentro do avião. O agente imediatamente efetuou o disparo, mas quase acertou Murilo. Todos se assustaram e os comissários fugiram em direção ao matagal que circundava o aeroporto.
Sem se importar se seria ou não atingido pelos policiais e militares, Conceição disparou contra o comandante. Este, incrivelmente, saltou, livrando seu peito do disparo, mas acabou atingido na perna esquerda e saiu correndo em ziguezague para o Boeing da VASP. Conta-se que a adrenalina estava tão alta que o piloto correu e nem parecia estar baleado. Simultaneamente, o sequestrador atirou outras cinco vezes sem êxito, ao passo que o agente federal presente no Bandeirante o neutralizou com três tiros não letais.
Próximo às 19h de 29 de setembro de 1988, após 8 horas de sequestro, finalmente chegou ao fim o dramático sequestro do Boeing 737 da VASP.
Raimundo Nonato foi levado ao hospital e apresentou melhoras significativas. Entretanto, três dias após o sequestro, misteriosamente, encontrava-se morto. A causa oficial da morte foi infecção por anemia falciforme.
Ainda hoje a morte de Raimundo Nonato gera grande desconfiança. O legista responsável pelo registro de óbito foi Badan Palhares, o mesmo envolvido na contraditória identificação do “Anjo da Morte”, Josef Mengele (médico nazista que viveu no Brasil) e nas diversas autópsias, também controversas, da morte de P.C. Farias.
Após o sequestro, o comandante foi condecorado com as medalhas do Mérito Santos-Dumont e da Ordem do Mérito Aeronáutico. Os registros de parâmetros de voo do jato assustaram os técnicos quando conferidos: teoricamente, o avião não poderia ter suportado as manobras.
“O comandante não se permite entusiasmo ao falar das medalhas do Mérito Santos-Dumont e da Ordem do Mérito Aeronáutico com que foi condecorado. ‘As mesmas medalhas foram dadas à esposa do ex-presidente (Luiz Inácio) Lula (da Silva), ao, na época, Ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, e a muitos outros em quem não vejo mérito algum para as mesmas.’” (PEREIRA, 2013, s/p)
Os passageiros ainda vivos, incluindo os estrangeiros, nutrem grande sentimento de gratidão para com o comandante Fernando Murilo. Muitos juraram eterna gratidão ao comandante que, calmamente, contornou a situação e deu o melhor de si. Tudo, sempre pensando no bem-estar dos seus passageiros.
Hoje em dia, o comandante herói lamenta o não reconhecimento do ex-Presidente da República, José Sarney — ”O ex-presidente Sarney, sem comentários, nunca me dirigiu a palavra“.
Atualmente, Fernando Murilo de Lima e Silva trabalha fazendo o que mais gosta: voar (transportando cargas aéreas).
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